Novas Aplicações Terapêuticas

Acelerando a Descoberta de Medicamentos
O desenvolvimento de um novo medicamento é um processo longo e oneroso, onde 10% a 20% apenas chegarão às últimas fases, podendo levar mais de uma década para sua conclusão e demandar investimentos bilionários, quando viável. Nesse contexto, o reposicionamento de fármacos se destaca como uma estratégia eficiente, aproveitando a segurança e eficácia já estabelecidas de compostos conhecidos para novas indicações 2.
A emergência da IA trouxe um novo paradigma para esse processo, permitindo a análise preditiva de interações moleculares e a identificação de novas aplicações terapêuticas com maior eficiência. Mas como essas ferramentas estão sendo aplicadas na prática? Quais são os principais desafios? E qual o futuro dessa abordagem? Exploramos essas questões a seguir.
IA e o Reposicionamento de Fármacos
A IA permite analisar grandes quantidades de dados biomédicos, integrando informações genômicas, proteômicas e clínicas para prever novas indicações terapêuticas. Além de simular e modelar interações proteína-ligante e prever a eficácia de fármacos em diferentes patologias e cenários. Algumas das abordagens mais utilizadas incluem:
- Aprendizado de Máquina Supervisionado: Algoritmos treinados com dados estruturados para prever a resposta de fármacos em alvos específicos.
- Redes Neurais Profundas: Utilizadas para mapear relações complexas entre compostos químicos e suas atividades biológicas.
- Processamento de Linguagem Natural (NLP): Identifica tendências na literatura científica e correlaciona dados clínicos com novas aplicações para medicamentos.
Casos de Sucesso

Alguns exemplos notáveis de reposicionamento de fármacos incluem:
- Talidomida (Funed):
A talidomida é um medicamento que exige medidas de controle, na prescrição e dispensação, pois apresenta efeitos teratogênicos comprovados. Originalmente desenvolvida como sedativo e antiemético, foi reposicionada para tratar Mieloma Múltiplo após a descoberta de suas propriedades imunomoduladoras e antiangiogênicas. Hoje, é um pilar no tratamento dessa doença.
- Metformina:
A metformina (Glifage®) é uma das moléculas mais utilizadas e eficaz no tratamento de diabetes. Embora amplamente utilizada para o tratamento do diabetes tipo 2, estudos recentes sugerem seu potencial na longevidade e prevenção de câncer.
Sildenafila:
O sildenafil (Viagra®): Inicialmente testado para hipertensão arterial e pulmonar, o sildenafil demonstrou efeito inesperado na disfunção erétil e foi aprovado para essa nova indicação, sendo um dos mais vendidos atualmente.- Semaglutida:
A semaglutida (Ozempic®) age como um agonista do receptor de GLP-1 que se liga seletivamente e ativa o mesmo. O GLP-1 aumenta a secreção de insulina, diminui a secreção de glucagon, retarda o esvaziamento gástrico e diminui o apetite. Inicialmente desenvolvido para tratamento de diabetes tipo 2, demonstrou alta eficácia na redução de peso corporal e foi também aprovada para o tratamento de obesidade.
- Rendesivir:
O rendesivir (Veklury®), teve nova indicação, foi reposicionado para Tratamento da COVID-19. Desenvolvido para Ebola, o remdesivir demonstrou eficácia antiviral contra SARS-CoV-2, levando à sua aprovação emergencial durante a pandemia e posteriormente ampliado, em 2022, para uso pediátrico no tratamento da Covid-19.
- Minoxidil (Ragaine®):
O Minoxidil para Tratamento de Calvície e Alopecia. Originalmente formulado como um anti-hipertensivo, o minoxidil revelou propriedades de estímulo ao crescimento capilar e se tornou um dos principais tratamentos para alopecia.
- Aspirina® Prevent (AAS):
Desenvolvida inicialmente como um analgésico e anti-inflamatório, o ácido acetilsalicílico (AAS), conhecido como Aspirina Prevent, demonstrou propriedades antiplaquetárias e anticoágulos, tornando-se atualmente em um dos principais medicamentos na prevenção de eventos cardiovasculares, como infarto do miocárdio, angina e AVC.
Fundamentos e Vantagens do Reposicionamento de Fármacos

O reposicionamento de fármacos/moléculas é uma estratégia que visa identificar novas indicações terapêuticas para compostos já conhecidos. Essa abordagem é particularmente vantajosa porque:
- Reduz custos: Elimina a necessidade de fases iniciais de desenvolvimento, como testes de toxicidade, segurança e fase 1-2.
- Acelera o tempo de mercado: Medicamentos reposicionados podem ser aprovados pelos órgãos regulatórios em menos da metade do tempo necessário para novos fármacos.
- Minimiza riscos: A segurança do composto já foi comprovada em humanos e existem dados de farmacovigilância (dados da população real informados após o início da comercialização do produto).
Desafios Regulatórios e Aprovação de Novas Indicações
Apesar dos avanços e das previsões computacionais promissoras, desafios regulatórios ainda precisam ser superados para novas indicações. O processo requer evidências robustas, e pode ser complexo.
As agências reguladoras, como FDA e ANVISA, exigem estudos clínicos adicionais para aprovar novas indicações, garantindo sua segurança e eficácia na população alvo. Isso pode prolongar o processo de comercialização da nova indicação. Além disso, o reposicionamento de fármacos enfrenta desafios com a propriedade intelectual pois, muitas vezes, os compostos já não possuem proteção por patentes, reduzindo o interesse da indústria no desenvolvimento adicional.

Aspectos Éticos no Uso da IA na Descoberta de Medicamentos
A transparência dos algoritmos, a privacidade dos dados utilizados e a equidade no acesso às novas terapias desenvolvidas são questões críticas. A adoção de metodologias de Inteligência Artificial Explicável (XAI) pode melhorar a confiabilidade do processo e garantir maior aceitação regulatória.
Conforme definição a IA explicável é usada para descrever um modelo de IA, seu impacto esperado, e potenciais vieses. Ela ajuda a caracterizar a precisão, justiça, transparência e resultados em tomadas de decisão alimentadas por IA. Ela também é crucial para uma organização na construção de confiança e segurança de produção de modelos de IA. A explicabilidade da IA também ajuda a adotar uma abordagem responsável para o seu desenvolvimento.
À medida que a IA avança, os humanos enfrentam desafios para entender e retraçar como o algoritmo chegou a um resultado. Todo o processo de cálculo se transforma no que comumente é chamado de “caixa preta” que é impossível de interpretar. Esses modelos de caixa preta são criados diretamente a partir dos dados. E, nem mesmo os engenheiros ou cientistas de dados que criam o algoritmo conseguem entender ou explicar exatamente o que está acontecendo dentro deles ou como o algoritmo de IA chegou a um resultado específico.
Para aumentar a segurança, confiabilidade e transparência, a utilização de um data center próprio, multimodal, aliado à tecnologia blockchain desempenha um papel fundamental. O data center próprio garante que todos os dados sejam armazenados em um ambiente controlado, protegido por protocolos de segurança avançados e em conformidade com regulamentações de privacidade. Já o blockchain, com sua estrutura descentralizada e imutável, permite a rastreabilidade completa das transações e operações realizadas pelo modelo de IA, garantindo a integridade e a autenticidade dos dados utilizados.
A combinação dessas tecnologias fortalece a governança da IA, reduzindo riscos e aumentando a confiança na tomada de decisões, especialmente em aplicações críticas que exigem altos níveis de segurança e transparência.
Desafios importantes:
• Privacidade e Segurança de Dados: Há preocupações com o uso indevido de informações sensíveis. Implementação de APIs seguras é essencial. Modelos devem aderir a regulamentações como a GDPR e a LGPD.
• Vieses nos Dados: Modelos treinados com dados enviesados podem perpetuar desigualdades nos diagnósticos, como aquelas baseadas em gênero, raça ou status socioeconômico, por exemplo.
• Falta de Atualizações, Confiança e Transparência: Alguns modelos implementam logs explicativos para aumentar a confiança em suas recomendações, mas isso ainda precisa ser aprimorado, validado, para que seu uso possa ser uma fonte principal de informação, sem limitações significativas.
Perspectivas Futuras
Conclusão
O reposicionamento de drogas, aliado à Inteligência Artificial, representa uma revolução na descoberta de novos fármacos. Essa combinação não só acelera o processo de desenvolvimento, mas também abre portas para tratamentos inovadores e acessíveis. À medida que a tecnologia avança, espera-se que a IA continue a desempenhar um papel crucial na transformação da indústria médica e farmacêutica, beneficiando principalmente os pacientes em todo o mundo.
Referências
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